quarta-feira, 28 de julho de 2010

DIÁRIO DE BORDO! Pré produção cinema no Velho Chico

.                28/07/2010 - ANIMAL DE HOJE: VACA!


recepção simpática
A pré-produção do Cinema no Rio São Francisco já recomeçou e eu estou de reencontro com o Velho Chico e seus causos. Ele serpenteia num ritmo sem pressa contrário ao meu. Ele sempre companheiro de viagem, ora à esquerda, ora à direita, ora abaixo, ora distante, mas sempre ali perto me abençoando. Minha meta é percorrer 20 cidades em 10 dias, incluindo as aventuras entre uma cidade e outra. Numa cidade do interior eu estava na fila dos correios para postar uma encomenda para BH, percebendo toda movimentação dos atendentes para fazer as diversas transações bancárias, pois os correios agora viraram banco. Empresa estatal de logística em parceria com um banco privado. Enfim, continuei matutando as coisas enquanto um senhor tentava com dificuldades digitar a sua senha. Ele não enxergava muito bem e precisava chegar o olho bem perto do teclado. Observando o esforço do homem escutei um murmúrio de uma mulher atrás de mim, que lamentava a dificuldade do senhor e já emendava exemplos de solidariedade. A outra mulher logo atrás começou os seus comentários e soltou a primeira pérola do dia:
- Eu também sou bem cega! Se eu jogar uma pedra numa vaca é bem capaz que eu erro!
Continuei na fila sem poder nem olhar para a interlocutora, mas morrendo de rir por dentro. Só o fiz após ser atendido e aproveitar a saída da agencia para olhar a autora da frase cômica. E não consegui conter um sorriso meio de risada. Logo a porta dos correios tive a surpresa de ter que parar para esperar uma manada de vacas passar pela rua! E imaginar imediatamente a mulher de pedra em punho tentando acertar sem sucesso uma daquelas vacas.
Bem, o assunto havia encerrado ali logo após a passagem das vacas neh? Não! Engano meu. Na cidade seguinte enquanto eu fazia uma visita técnica ao local de exibição uma simpática vaca me aguardava curiosa voltar para o carro. Ela parou bem próximo à porta do motorista e ficou me olhando como se eu fosse o estranho do local, o invasor. E eu realmente era!
Tirei uma foto dela, entrei no carro e continuei minha viagem fazendo associações malucas entre as vacas do meu dia!!

29/07/2010 - SOMENTE VISITAS



Varzea da Palma, Buritizeiro, Pirapora e Barra do Guaicuí.
Somente visitas e reuniões. E tudo estava lá no mesmo lugar. A ponte velha, a velha igreja de pedra, o rio... Ah! o rio! Sempre ali rasgando as pedras de pirapora e tentando arrastar o vapor que descansava o beiço no barranco aguardando mais um fim de semana de agitados passeios e turistas saudosos.
Eu começo a entrar no clima da viagem. O cinema está realmente tomando forma novamente.
O sol banhou-se no rio e tingiu as águas com o seu vermelho anunciando que amanhã o dia será longo!

pôr-do-sol em Pirapora


 30/10/2010 - VIAGEM SOLITÁRIA E PRIMEIRA TRAVESSIA
O dia ontem terminou tarde e hoje começou cedo! Um café da manhã com mais frutas e menos porcarias foi a meta cumprida do dia! Minha vida de viajante solitário recomeçou nesta manhã muito iluminada, a qual eu não via há um bom tempo.
Juntei minhas coisas, fiz o sinal da cruz. O meu gol (batizado de Silver em uma alusão ao Cavaleiro Solitário, numa breve conversa que tive com Róbber) companheiro já me esperava na porta do hotel para mais um trecho de aventuras e reuniões monótonas. Não muito tempo depois que saí de Pirapora com destino a Ibiaí as rádios tornaram-se coisa rara pelo caminho e o meu MP3 começou a funcionar embalado por Strokes e uma mistureba de estilos. A estrada deserta aumentava minha solidão e eu sentia o vento com a mão esquerda fora da janela. Os vidros abertos abafavam o som e eu tentava descobrir qual musica tocava e ao mesmo tempo refazia pela milionésima vez o roteiro que seguiria.


estrada boa
estrada ruim
Reuniões e asfalto. E para variar um pouco, de Ponto Chique para Cachoeira do Manteiga tinha uma balsa. Mas, antes da balsa, 4 km de pó! Relembrei o trecho Manga/ Malhada do ano anterior. Não tive saudades e sim muito medo. A estrada deserta não era novidade para meus olhos, mas o caminho recém aberto para o embarque era novo. Segui até a margem do rio e nada de balsa. Ainda percebi que o ângulo da rampa seria um problema para o embarque do nosso caminhão e isso implicaria em pesquisar outras alternativas para a travessia. Emoção? Nada! E ainda tendo que ficar falando sozinho, fazendo planejamentos, suposições e definições. Resolvi verificar o porto antigo e logo na entrada o quadro de horários da balsa. Eu estava justamente no intervalo do almoço. Nada se movia sob o sol forte do meio dia do sertão. Acho que nem a água do rio. Finalmente meu reencontro com o Velho Chico, doente, fraco, magro... As feridas de areia formavam erupções em pontos antes submersos. E eu sempre maravilhado e desconfiado cheguei a beira d`água para matar a saudade de um velho companheiro. É exatamente a mesma sensação que tenho e não há como explicar. Só quem já passou por aqui entende o que tento descrever. Este rio é mágico! Ele nos atrai, é impossível nao vixar os olhos em suas águas e logo fisgar uma reflexão qualquer.


primeira travessia
Um barquinho vinha ao longe trazendo algumas pessoas para a minha margem. Decidi que o companheiro Silver não seria tão necessário naquele momento. Meu pé afundou na poeira e fez com que o velho all star ficasse fora de contexto naquele cenário árido. No entanto, não me incomodei com a quantidade de terra que ia dando cor pálida a tudo que não era molhado. Peguei o barco e fui logo puxando assunto pra saber sobre a travessia e porque tinha mudado o ponto de embarque. “A Seca!” Respondeu seco o senhor barqueiro. Eu observava o fundo visível do rio envergonhado por mostrar suas víceras e eu envergonhado por vê-las. Conversei com o barqueiro um pouco sobre a falta d`água e algumas possibilidades de travessia, mas o assunto foi cortado pela outra margem lambendo a ponta do barco.

Cachoeira do Manteiga
Eu deveria encontrar com Diva, sub-prefeita do local. Cheguei de surpresa e fui muito bem recebido, apesar de ser hora do almoço e depois de interrogar alguns sobre a residência da sub-prefeita. Acho que o vilarejo inteiro percebeu a minha presença. Um homem mais branco do que o normal, com roupas, sapatos e óculos diferentes, suando feito tampa de chaleira num lugar onde o tempo precia não correr e as pessoas vivem num estado de encantamento
Reunião finalizada lá estava eu novamente de colete salva-vidas e minha pasta de planilhas retornando a outra margem no mesmo barquinho que me trouxe.
Em pouco tempo o ar condicionado do meu carro já era companheiro fiel da minha solidão embalados por Elvis.
Pouco depois das 14 horas cheguei ao hotel para me preparar para mais uma visita que não aconteceria.
Agora é o fim de semana e eu aguardo mais uma aventura na segunda-feira.

02/08/2010 - DEPOIS DE UM DIA NORMAL

O dia amanheceu antes da hora hoje e eu pedi para ficar um pouco mais na cama. Sempre acontece isso! Sempre tenho a sensação de não ter dormido o suficiente. Enfim, dormido ou não, o despertador gritou no horário planejado. A mala já estava arrumada e o sorriso das copeiras do hotel no café da manhã anunciava uma segunda-feira agradável.
Melancia e uva do café da manhã. Passei direto pelos salgadinhos e molho de salsicha. Alimentação rápida, pois ainda tinha que alimentar o pobre, sujo e faminto Silver. Gasolina, óleo, água e ainda uma lavadinha do vidro traseiro. Prontos, seguimos viagem deixando a bela Pirapora cada vez menor em meu retrovisor.
Os caminhos já era bem familiares, inclusive o trecho complicado de terra entre Ponto Chique e São Romão. Eu me sentia muito a vontade inserido num ambiente que já parecia ser também meu. O MP3 tocava um rock que ritmava a poeira na retaguarda do valente companheiro motorizado, até que um buraco interrompeu a música. Os vilarejos apareciam ao nosso lado e as pessoas curiosas tentavam ler o adesivo no capô do carro. Era um trecho aparentemente interminável e monótono, assim como a Witney Houston que gritava com chiados no rádio do carro.
Um circo velho havia se instalado em uma pequena localidade bem no meio do caminho. Diminuí para observar se tinha algum leão fedorento ou outra fera mal tratada, como se eu fosse da sociedade protetora dos animais. Aparentemente nada de suspeito e anormal. Somente a mulher que engolia fogo treinava mais um número enquanto a mulher barbada costurava a fantasia da Monga que não ficou calma e se enroscou na fechadura da própria grade e arrancou um pedaço das vestimentas.
Passei pela vila imaginando uma fábula no Rio São Francisco onde o surubim, apaixonado por uma bela lavadeira, recebe de uma benzedeira a missão perigosa de ir até a represa de sobradinho buscar o lenço de seda perdido pela moça e levado pela correnteza. Caso conseguisse ele seria transformado em humano e teria o dom de ganhar o amor das pessoas. E poderia assim conquistar a jovem lavadeira.

Minha fábula foi interrompida por uma encruzilhada. A mesma na qual fiquei perdido na viagem anterior. Ali era o ponto mais largo da estrada. E justamente para termos espaço para duvidar. Eu não errei mais e segui até o fim do trecho, novamente no asfalto para a Balsa até São Romão. Agora sim o Silver vai comigo! Entramos os dois na balsa e aguardamos a partida. O rio parecia letárgico com suas águas verdes que escondiam a profundidade respeitada por todos.

Reunião realizada e uma tentativa de telefonar para o escritório e dar algum sinal de vida antecederam à rápida travessia de volta à estrada para São Francisco. E foi inevitável não ouvir “if you going to San Francisco. Be sure to wear some flowers in your hair...” algo bem fora de nexo mas foi o que me veio na cabeça, antes das risadas que dei sozinho ouvindo a tal musica. Viajar muito tempo sozinho dá nisso



E tome poeira! E venham São Francisco, Pedras de Maria da Cruz e Januária e o Silver, sempre de focinho colado no chão engolindo vorazmente os kilômetros que nos aguardavam pela frente.
E hoje foi um dia normal! Amanhã será?

03/08/2010 - FORA DE CONTATO, COMPLETAMENTE!

Acabei de lembrar da famosa frase de um seriado bem legal que passava na Tv Cultura, chamado "Mundo da Lua", estrelado por Antonio Fagundes, Gianfranceco Guarnieri, Lucinha Lins e outros. O personagem principal, o garoto Lucas Silva e Silva sempre dizia a um velho gravador antes de começar os seus sonhos:
- Alô! Alô!
- Planeta terra chamando, planeta terra chamando!
- Esta é mais uma aventura do Lucas Silva e Silva, falando do mundo da lua, onde tuuuudo pode acontecer!

Hoje foi bem semelhante a isto!
E mais um dia que eu achei que seria normal! Aproveitei o último trecho de estrada decente em Minas Gerais, indo de Januária para Itacarambi com uma paisagem de qualidade exibindo suas rochas vulcânicas e as árvores barrigudas do Vale do Peruaçu.

No rádio uma família estava em busca do filho desaparecido. Pensei que as pessoas só desapareciam na Capital. E o moço já era adulto. Agora tive medo! E se eu desaparecer também? Preciso manter contato sempre para que a nossa base possa me monitorar. Mas todo lugar tem internet, celular! Até o mais remoto lugarejo tem um telefone público.

Saindo de Itacarambi logo depois de levar um bolo na reunião coloquei o pé na estrada, pois o tempo é curto e o cronograma deve ser cumprido. Eu já desconfiava que o trecho seria difícil, mas não imaginei que a estrada estaria terrível! Velocidade máxima: 40 km/h. A poeira já nem era novidade, mas eu precisaria enxergar ao menos os buracos. Olhava para o chão e me encantava com a beleza do céu cheio de pequenas nuvens.
posso brincar de descobrir desenho em novens...

Finalmente cheguei em Manga!
Manga é fruta ou cidade? Sempre ouço a perguntinha idiota quando falo que vou passar por aqui.
Finalmente uma pousada legal! Mas não tem internet... nem tem sinal da oi! Tudo bem, resolvo tudo e vou a uma lan house depois.
A secretaria estava fechada. Mudaram? Bem provável, pois o local está com aparência de abandonado. Tentei ligar no escritório para pedir ajuda. Descobri que nenhum telefone público da cidade faz ligação pra outro DDD, muito menos a cobrar. E quase morri de rir quando vi uma instrução que dizia: “este telefone faz chamadas internacionais!”
Enfim, o telefone da pousada me permitiu dar um toque no celular do escritório! Encontrei a nova secretaria, realizei a reunião e parti mais uma vez para a balsa! Agora elas são rotineiras. Penso que vou ter mais milhagem em superfície fluvial do que realmente em asfalto. E nessa lambança daqui pra lá e de lá pra cá, embarca e desembarca, eu vou ouvindo as conversas alheias e o casos pela metade.
Matias Cardoso, sem H, fica do outro lado do rio. Reunião tranqüila e lá estou eu de volta a Manga. É hora de parar por hoje e assistir um pouco de TV, mas antes uma foto do sol se escondendo atrás de um coqueiro. Bateria da câmera esgotou! Voltei pro quarto e fui descansar um pouco. A TV ficava a 2 m de altura e não tinha controle remoto. Amarguei todo o “Casos de Família” sem ter disposição para mudar de canal. Ali fiquei me divertindo entre cochilos e o estranho tema “Minha filha não me deixa namorar” até resolver ir à lan house. Não tinha sinal de internet. Será que fiquei nervoso? Finalmente voltou, mas meu mouse não funcionava. Troquei de máquina e dessa vez o mouse funcionava, mas as letras do teclado eram escritas com esmalte de unha e as letras E, R, O, M e B não estavam tão reconhecíveis. Poderia ser um teclado em russo, neh? Quanta ignorância a minha! É lógico que eu pensei que isso só acontecia comigo. Uma pessoa sem comunicação com o mundo é capaz de enlouquecer. Ainda bem que eu nem sou viciado em internet! E se eu sumir também? Não tenho como dar notícias!
Aqui o frio é coisa rara. Um banho resolveria o mal humor. Não tem banheiro em meu quarto. Banheiro compartilhado com metade dos hóspedes! Serei o último.
E depois é só ir chorar na cama que é lugar quente, bem quente! Um forno!

04/08/2010 – DEUS E EU NO SERTÃO

O sol já havia acordado e estava insistente em minha janela. O despertador gritou desesperado anunciando mais um dia de viagem. Tudo pronto para mais um longo dia, mas eu nem sabia o quanto ele seria longo.
Após um longo dia sem contato com o resto do mundo peguei mais uma péssima estrada. Isto estava virando rotina. Asfalto era raridade por aqueles lados, no entanto, cascalho, buraco, poeira e terra eram os ingredientes perfeitos para a longa jornada. Eu estava esquecendo do calor!

Já na estrada e com a solidão no banco do passageiro vejo uma senhora estendendo o braço. Resolvi dar uma carona. Era uma professora atrasada indo para a escola, que falou todo o trajeto sobre o péssimo estado da estrada. Chegamos na escola, ela desce, sobe o Sr. Francisco. Assim como José Ribamar é comum no Maranhão, Francisco é nome corriqueiro ao longo do Velho Chico. O meu passageiro também falou sobre a estrada e as dificuldades para irem à próxima cidade. A falta de transporte em horário adequado, a demora do ônibus e o preço da passagem. Mas logo falou sobre o progresso, sobre São Paulo e suas coisas bonitas. Ele estava indo tentar uma “passagem de idoso”na Gontijo para visitar os filhos e o pai de 96 anos na capital paulista, a qual é maior referência para as pessoas daquela região. Belo Horizonte praticamente não existe para eles.
Deixei Seu Francisco em Montalvânia e segui meu caminho novamente solitário. Após percorrer uns 10 km numa estrada precária um pneu me decepciona. Furado! Rápida operação: tira as cosias do porta malas, joga tudo no banco traseiro, pega estepe e macaco, folga parafuso, troca roda... e bem no fim do processo aparece uma alma boa para me ajudar. Troca feita, tudo foi jogado ali mesmo de qualquer jeito para não perder tempo. Mais 5 km de percurso outro pneu furado! Eu não acreditava. Parei o carro, desci, respirei fundo e somente aguardei outra alma boa. Aquela estrada amaldiçoada estava cheia de almas boas. Um motoqueiro viu meu estado desolado e resolve dar ajuda. Eu, ele, a titan e o pneu nas minhas costas percorremos mais 15 km até a próxima borracharia. O cara esperou consertar o pneu e me levou de volta ao carro, além de ajudar a trocar. O mínimo que pude fazer foi encher o tanque da moto dele como agradecimento. E o nome do anjo salvador: Francisco
primeiro pneu furado da série de 3
Tudo resolvido, mais um trecho difícil para ser percorrido. Eu desejava um banho para tirar toda aquela poeira! Mero desejo. O mais importante era cumprir o cronograma.
As reuniões remarcadas para o período da tarde foram todas realizadas normalmente e tudo parecia retomar o curso normal das coisas. Depois de Angico e Barra da Parateca, finalmente asfalto! Que asfalto? Era um monte de buraco espalhado por um lugar onde um dia houve estrada.
O sol já finalizava o seu expediente e eu só tinha percorrido metade do caminho. O cansaço, a irritação, a solidão e o medo tiraram toda minha capacidade de perceber o belo pôr-do-sol que acontecia ao meu lado. Eu queria chegar logo em Bom Jesus da Lapa, ir para um bom hotel, tomar um banho quente e descansar meu ombro dolorido. O guerreiro Silver também já dava sinal de desgastes. Empoeirado e surrado pelos buracos ele engolia cada km com a voracidade da minha ânsia. A noite chegou enquanto a estrada parecia não ter fim, nem os imensos buracos que surgiam em todas as direções. Eu era o único transeunte naquele trecho! Tive muito medo. Pensei coisas horríveis. Ah! Minha imaginação fértil! Ela estava contra mim também. Não somente ela, mas os 500 mil romeiros que lotavam a Lapa.

era pra ser asfalto
Após percorrer 80 km em 2 horas e meia eu merecia um descanso justo, certo? ERRADO! Os fiéis lotaram os hotéis, as ruas, as praças, tudo! Eu percorri sem sucesso mais de 10 estabelecimentos e não encontrei nenhuma vaga.
Foi o limite da minha resistência!
Chorei! Reclamei, desabafei sozinho naquela cidade suja e com cheiro de lixo queimado.
Segui mais 90 km – pelo menos de estrada muito boa- para conseguir outro hotel. Meu nível de exigência já tinha chegado a zero, pois já cogitava a possibilidade de até dormir no carro. Encontrei uma pousada simples e dormi ali mesmo sem jantar. Não tive fome, visto que o cansaço consumiu todas as minhas forças.

05/08/2010 – O FIM DA PENITÊNCIA
De volta a Bom Jesus da Lapa, tentando encontrar um local seguro para deixar o valente Silver, recebo a bela notícia de que a exibição por lá seria cancelada. Mais satisfeito do que nunca, bati em retirada daquele inferno santo!
Belo Horizonte, aí vou eu! Mas antes uma parada em Montes Claros para descansar e no dia seguinte em Buritizeiro.

06/08/2010 – O PNEU, MEU DILEMA
Depois de uma ótima viagem, quase no fim da jornada, mas uma vez o pneu abandona a jornada. E dessa vez não teve conserto. Parei na borracharia só para a troca.
E finalmente, cheguei em casa depois de uma incrível viagem.
Talvez tenha sido a melhor e a pior viagem que já fiz. A solidão me ajudou a refletir muitas coisas, entender outras. O meu companheiro Silver trouxe-me de volta em segurança, após ouvir longas conversas solitárias, além de choros, cantos, risadas e inúmeras emissoras de rádio.
E o Velho Chico ali ao meu lado serpenteando pelo sertão, levando vida a um povo sofrido e alegre.
Eu não sou do São Francisco! Eu não nasci na região e não tinha nenhuma afinidade com este rio. Aos poucos ele foi me envolvendo com suas lendas e encantos e tornando-me assim um pouco dele. Se você nunca foi ao São Francisco, talvez não entenda a enorme influência, a qual tento descrever, mas, um dia o conhecendo, saberão o que digo.

Depois de tanto sofrimento, poeira, lama, buraco eu ainda faria tudo outra vez! Antes de voltar para casa olhei para ele e disse em voz alta: Até logo!

E isso é só o começo!

CINEMA NO RIO SÃO FRANCISCO

De 08 de setembro a 6 de outubro de 2010

Entre FELIXLÂNDIA- MG e BARRA DA PARATECA - BA


quarta-feira, 14 de julho de 2010

QUANTA BESTAGEM EM 60 KM!

Havíamos terminado mais um dia de filmagens em lugares muito agradáveis com café e bolo de fubá no final de uma entrevista.
De volta para o hotel vimos a cidade lá embaixo sob os últimos insistentes raios de sol enebriados por uma névoa. Não havíamos percorrido nem 60 km durante todo o dia e o Fenando comentou a beleza da bruma no pé da montanha. Daí surgiu o título do livro/filme " Brumas de Avalon" e seguiu-se o festival de baboseiras.
Eu não pude resistir em dizer que uma atriz muito famosa tinha trabalhado nesse filme: BRUMA LOMBARDI!
E ele tinha sido todo filmado numa cidade em Minas Gerais: BRUMADINHO!
E fim de papo furado!

terça-feira, 6 de julho de 2010

VIAGEM NUNCA FEITA?


- Naufrágios? Não, nunca tive nenhum. Mas tenho a impressão de que todas as minhas viagens naufraguei, estando a minha salvação escondida em inconsciências intervalantes.
- Sonhos vagos, luzes confusas, paisagens perplexas – eis o que me resta na alma de tanto que viajei.
Tenho a impressão de que conheci horas de todas as cores, amores de todos os sabores, ânsias de todos os tamanhos. Desmedi-me pela vida fora e nunca me bastei nem sonhei bastando-me.
- Preciso explicar-lhe que viajei realmente. Mas tudo me sabe a constar-me que viajei, mas não vivi. Levei de um lado para o outro, de norte para sul... de leste para oeste, o cansaço de ter tido um passado, o tédio de viver um presente, e o desassossego de ter que ter um futuro. Mas tanto me esforço que fico todo no presente, matando dentro de mim o passado e o futuro.
- Passei pelas margens dos rios cujo nome me encontrei ignorando. Às mesas dos cafés de cidades visitadas descobri-me a perceber que tudo me sabia a sonho, a vago. Cheguei a ter às vezes a dúvida se não continuava sentado à mesa da nossa casa antiga, imóvel e deslumbrado por sonhos! Não lhe posso afirmar que isso não aconteça, que eu não esteja lá agora ainda, que tudo isso, incluindo esta conversa consigo, não seja falso e suposto. O senhor quem é? Dá-se o facto ainda absurdo de não o poder explicar...

DO LIVRO DO DESASSOSSEGO – Fernando Pessoa