domingo, 6 de novembro de 2011

A última carta: CARTA DE JULIAN PARA MIM!

Acabei de ler “O Jogo do Anjo” e percebi que poderia tê-lo lido antes de “A Sombra do Vento”, mas ambos me marcaram com certa peculiaridade. Ao longo de muito tempo revesti o meu relacionamento com os pseudônimos de Julián Carax e Penélope Aldaya, mesmo sem autorização do autor. Mas nem considerei tal possibilidade pois o meu blog e minhas escritas nem alcançam uma amplitude para tal procedimento. Alcança um número reduzido de leitores, porém não menos importante.
Enfim, após desencontros entre Penélope e Julian decidi descansar um pouco de todo o desgaste que envolveu o fim do relacionamento e refletir sobre o quanto deveria expor minha vida pessoal. Mas percebi que os entrelaces da minha vida e de Julian estavam propositalmente confusos, transitando entre realidade e ficção.
Abri mais um livro: “Chapadão do Bugre” e tentei concentrar-me nos detalhes de outro romance. Passei algumas páginas tentando fugir da monotonia inicial de todo livro. Cheguei até as páginas 26 e 27, onde o livro relatava um agosto chuvoso. Deparei-me com um papel dobrado. Um papel diferente, antigo, já amarelado. As escritas eram caprichadas e pareciam ser feitas com outro tipo de caneta. Estava endereçado a mim mesmo, o que achei estranho, pois não havia notado o papel da última vez em que abri o livro. Era uma carta para mim:

Caro Rangel,
Não tente entender este acontecimento, nem qualquer outro acerca de Julian e Penélope. Eu cultivei um imenso amor por ela e agora nada sei a respeito do que acontece. Você me deu liberdade para amar além das minhas capacidades e eu o fiz como nunca. Penélope se foi e sequer conseguiu me dar uma explicação plausível para sua partida, baseando-se em tudo que poderia dar errado para encontrar algum motivo que pudesse dar um fim em tudo. Um fim seco com um simples “adeus” e um beijo na face.
Inesperadamente não mais existia o imenso amor o qual não poderia se chamar “amor” de tão grande o sentimento que era recíproco. Viramos dois estranhos e ela se foi! Assim como saí para tomar ar fresco ela se foi sem avisar. De repente voltou e disse que partiria novamente, enquanto eu descobria que a amava mais do que a mim! E o sentimento avassalador devastou meu peito e minha vida e atingiu tudo aquilo que eu tocava. Tornei-me uma casca ambulante. Um ser sem vida que tudo faz por puro reflexo. Ignorei os poucos amigos que mantinham-se ainda próximos e insistiam em minha atenção.
Meu coração está em migalhas e eu me sinto o pior ser humano do universo. Abandonado, rejeitado, com excesso de auto-piedade e falta de amor próprio; cumprindo a parcela de humilhação necessária para qualquer apaixonado eu desci à sarjeta do sentimentalismo e abri meu coração. Infelizmente recebi um “não” seco e decidido! Penélope está em outra vida, em outro mundo. A velha Paris venceu. Seduziu e venceu!
O que me restou foi passar noites em claro tentando entender o que havia ocorrido. Entre insônias e corridas na madrugada eu analisava as milhares de suposições. Às vezes minha casa parecia pequena para o meu peito e sua falta de ar constante.
Vivo de lembranças. As boas lembranças que às vezes me entristecem...
Por isso, sem maiores explicações venho despir-me do seu existir para voltar somente à ficção do meu sofrimento. É hora de seguirmos separados nossos caminhos solitários. É o momento de realizarmos o luto que ajuda a limpar a dor de coração partido.
Não voltarei ao Anjo de Brumas e a Rua del Tibidabo tornar-se-à provavelmente um endereço desconhecido. Não acho correto lutar contra um amor maior do que o meu mundo, mas não vejo nenhuma outra alternativa. Na verdade não vejo nada a não ser dúvidas. Ainda a amo muito. É o que eu vejo!
Não questiono mais nenhum motivo e preciso ser eu mesmo agora, sem Penélope e sem você. Peço que deixe-me em paz agora! Peço que tenha paz agora! Peço que use o tempo como curativo para sua ferida, pois eu usarei o meu isolamento para a minha. Peço que seja somente você a partir de hoje. Seja sempre quem você foi e não este estranho que estava se perdendo na própria melancolia.

Espero que sejas feliz!
Saudações,


Julian Carax

Julian havia partido aquela manhã após passar na livraria e deixar um bilhete dentro do meu livro. Ele tomou uma xícara de café lentamente, sem dizer muitas palavras e olhando fixamente para o meu escapulário.
Depois de um longo tempo em silêncio ele comentou:

- Eu a dei um escapulário muito bonito!

Sorriu meio sem graça e desviu os olhos para a pintura na parede. Sua fisionomia era muito triste. Parecia solitário e sofrido.
Repousou a xícara sobre o balcão, tocou o meu ombro, como de costume e saiu sem dizer nada. Pegou o primeiro trem para Bruxelas e achei estranho, pois ele nunca havia falado sobre conhecidos por lá. Julián vaga sem destino a procura de algo o qual nem sabe o que é. A procura de ao menos paz para o coração. A procura de um coração...