segunda-feira, 24 de maio de 2010

O CAÇADOR DE HISTÓRIAS

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Ele chegou à pequena cidade num dia ensolarado de outono. A vegetação em tons pastéis dava ao local uma aparência poética de abandono típicas de Guimarães Rosa.
Não era difícil enxergar o fim do vilarejo que se formou entre o mercado e a igreja. Ali na praça os dias de missa eram alternados com os de feira para que a presença de todos fosse garantida em ambos os eventos.
O vento levantou uma poeira vermelha e obrigou o homem a colocar o chapéu no rosto para proteger-se. Após o término do desconforto tirou um lenço do bolso do velho paletó e limpou os olhos lacrimejantes. Era um lenço branco bordado as iniciais “J&R” em amarelo forte. Dobrou-o cuidadosamente e colocou de volta no bolso.
Após observar o local acomodou-se no banquinho, pegou um cartaz escrito “Pago R$ 1,00 por sua estória!” e colou logo abaixo da base da mesa.
Passou toda a manhã sem que ninguém viesse até ele, exceto um cachorro velho curioso que procurava algo que pudesse ser considerado como alimento. O homem esperou paciente durante toda a manhã. Comeu alguns biscoitos e castanhas que havia guardado e nem demonstrou impaciência. Ficou ali escrevendo e vez ou outra parava para observar a inércia do lugar.
Já bem no meio da tarde um jovem aproximou-se curioso, de olhar fixo no cartaz. Nada disse por um bom tempo enquanto olhava para o homem e quebrava o silêncio:

- Olá! Você é forasteiro?
- Acho que me classifico como tal, pois há muito tempo não visitava este vilarejo.
- Você escreve histórias?
- Na verdade eu compro as histórias alheias. Escrevo e mando pelo correio para mim mesmo. É uma boa maneira de mantê-las em segurança enquanto viajo.
- Ah! Então você é escritor?
- Digamos que sim.
- O que faz com tantas histórias?
- Guardo comigo e as leio sempre que posso. Qual o seu nome?
- Rapaz!
- Rapaz? Perguntou o forasteiro.
- Sim! Me chamam de Rapaz desde que me tornei um!
- E como te chamavam antes?
- Menino!
- Então, Rapaz, vai me contar sua história? E parece que você já começou a contar.
- Até posso continuar contando, mas você parece mais velho do que eu e poderia me conta alguma.
- É bem provável que eu seja mais velho, mas o escritor de missivas sou eu.
- Desculpa-me. Façamos o seguinte: Eu lhe pago R$ 2,00 por sua história.

O Rapaz apoderou-se da caneta e das folhas de papel, olhou fixamente para o escritor fazendo uns acenos com o queixo e uma das sobrancelhas arqueadas.
Surpreso, o escritor cruzou os braços, ajeitou-se no banco, pensou por alguns instantes e começou a contar sua história para o Rapaz que escrevia freneticamente.
O homem contou das suas viagens, de quando ele vagava pelo Brasil levando o cinema para as pessoas em cidades longínquas. Contou dos amigos que fez, das pessoas que conheceu, dos lugares que visitou e suas características peculiares. Contou ainda sobre as inúmeras dificuldades que venceu e das diferentes terras por onde ele andou.
Enquanto contava, sentiu-se jovem novamente e teve a nítida impressão de que voltava no tempo. Matou um pouco da saudade. Descobriu que sentia saudade!
O Rapaz escrevia encantado e também viajou imaginando todos os relatos. No final, já com os dedos doloridos e amassados, dobrou as folhas de papel, tirou duas moedas do bolso, colocou tudo em cima da mesa e empurrou na direção do escritor. Ele olhou fixamente para as moedas e para o papel dobrado. Pegou no bolso mais uma moeda e também colocou sobre as outras que já estavam ali.

- Não quero estes manuscritos. Fique com eles e leve mais esta moeda. Você me deu a minha própria história. Compre um caderno e uma caneta para você e comece a colecionar as suas histórias. Verás que o mundo é maior do que imagina.

Novamente tirou o lenço branco e enxugou a testa. Levantou os olhos e viu os últimos raios de sol lambendo a serra tortuosa em forma de cangalha.

- E fique com isto aí também. Apontou para a mesa e para o banco.

O rapaz observou calado o escritor afastando-se vagarosamente na poeira levantada pelo vento e antes que ele desaparecesse por completo gritou:

-Você não me disse o seu nome!

Recebeu de volta somente um aceno com as costas da mão esquerda. Sem que parasse de caminhar e já sem ser visto pelo Rapaz o escritor de missivas gritou:

- Meu nome é Homem! Nossos nomes se modificam à medida em que colecionamos mais histórias. Colecione as suas e perceba o seu nome mudar novamente.

O Homem nunca mais foi visto naquele vilarejo. O Rapaz comprou o caderno e a caneta, tornou-se um viajante em busca de mais histórias e outros nomes, outros sonhos, outras vidas. Levava consigo a sua primeira história escrita a qual relia quase todos os dias. Continuou sua jornada e numa manhã nublada de verão chegou à pequena cidade. As poças d`água abandonadas pela útlima chuva refletiam as núvens e um sol tímido esboçando pouca coragem para aparecer. A vegetação verde sinalizava um período raro de chuvas. Com sua mochila nas costas o escritor ficou por um tempo ali a espera de alguma história. Mas esta é uma outra história que se repete!
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