segunda-feira, 21 de setembro de 2009

MALHADA


Não obedeci ao senhor do restaurante, nem consegui uma caminhonete 4X4!
Seguimos assim mesmo com o bom e velho Gol companheiro em todo trecho, deste a nascente, na Serra da Canastra.
Compramos uma tinta spray amarela para marcar o caminho que faríamos.
Ah! O asfalto!
- Ih... um incêndio! Que fumaça é essa meu Deus?
- É muita fumaça Range...
- Vou acelerar!
- Num vai não, Range! Cuidado, moço!

Acelerei... Não via nada em minha frente, tudo branco, muito calor... silêncio...
O fogo estalava forte e as labaredas lambiam a beira da estrada.
Vencemos! Passamos!
A estrada multiplicava-se sob as rodas do carro e o cenário mudava radicalmente em nossa lateral.
Mato seco do sertão, casas pobres, fazendas enormes no meio do nada, placas de “vende-se gasolina”!
- Vende-se o quê?
Perguntou João Paulo!
- Gasolina!
- E como alguém traz gasolina para um lugar desses aqui?
- Também não sei!

Logo depois disso, uma estrada que não iria chegar a lugar nenhum! Um atoleiro pronto para engolir qualquer caminhonete. Certamente engoliu o nosso carro.
Mas era um atoleiro de terra, poeira e areia, secas!
Em instantes já estávamos presos após inúmeros solavancos.
Desci do carro ensaiando o “Salve Rainha”. Ops! Oração errada! Seria o “Salmo 91”, o qual fala sobre “aquele que habita sobre a sombra...”?????? Sombra? Que sombra? Em lugares assim ela só serve para dar indicação de calor: “tantos graus à sombra!”
Satriani debulhava sua guitarra no som do carro e ironicamente tocava “If I coul fly”
O calor havia realmente fritado minha noção de raciocínio!
E a fé?
Esta me fez simplesmente sorrir e voltar para buscar o pára choque perdido há cem metros. Olhei fixamente a placa do carro e desejei muito estar realmente em Belo Horizonte.
João Paulo me olhava sério e sorriu ao me ver dando gargalhadas. De certo pensou que eu já estava maluco devido as fortes pancadas de sol que tomara na muleira.
Tínhamos duas opções: Morrer retirando a areia da frente do carro ou morrer esperando uma ajuda quase impossível! Optamos pela primeira.
Eu já começava a ter alucinações auditivas e ouvi um carro se aproximando!
- É uma moto!
Disse João não se animando muito.
Tive a certeza de uma alucinação quando vi um ônibus se aproximar! Era impossível acreditar numa sorte daquelas. Estávamos gastando todas as fichas de uma só vez!
O ônibus parou logo atrás do meu carro. O motorista disse alto:
- Desce lá e ajuda!
Desceram 10 lavradores e começaram a empurrar o carro antes mesmo que eu entrasse para dar a partida. Fomos salvos!
Fomos resgatados do abismo de pó!
Logo após retirar o carro o motorista me advertiu:
- Não segue em frente! Ali tem mais atoleiro e você não vai conseguir passar. Você está indo pra Manga? A estrada é por lá, você tem que voltar!
Apontou o motorista com o dedo indicador para o lado contrário.
- Não! Estou indo para Malhada.
- Malhada? Não é aqui não. É lá onde tem uma placa verde escrito “Bahia”. Mas ta cheio de atoleiros iguais a estes. É melhor não ir por lá!

Ordenou que os lavradores entrassem no ônibus e seguiram viagem.
Eu ganhei de presente o direito de atravessar novamente o atoleiro, do lado inverso! O pior é que minhas fichas já tinham sido gastas, lembram???
Dei ré por uns 300 metros. Acelerei com toda minha força...
Passamos!
- E o pára choque? Disse João Paulo
- O dianteiro?
- Não! O Traseiro.
- Puuuutzzzs!!!! Ficou lá! Pêraê. Eu volto lá!
- De carro?
- Sim! já aprendemos como passa nisso mesmo!

João Paulo me olhou com uma cara de “ele ficou louco mesmo!” E novamente apertou o cinto.
- É brincadeira, João! Volto lá a pé.
Ele sorriu aliviado.
Com o nosso novo passageiro no banco traseiro seguimos viagem em direção à placa escrito “Bahia”. Bendita placa!
- Maldita gasolina! Tá na reserva! Vamos voltar até onde vimos a placa.
- Da Bahia?
- Não! Da gasolina!
- E a Bahia?
- Esquece a Bahia, João!
- Pelo menos por hoje.
Inevitavelmente tensos seguíamos de volta pelo caminho que parecia maior e desconhecido, até chegarmos à casa do combustível! Passei pela placa e fiz a pergunta imbecil:
- Vocês vendem gasolina?
Uma simpática senhora respondeu positivamente com a cabeça, quando certamente queria responder:
- Não! Aqui vendemos xixi de vaca! A placa de “Vende-se Gasolina” é para atrair idiotas!
Ela sorriu e perguntou a quantidade que eu queria e completou:
- R$ 3,50 o litro!
Cantei logo que queria 10 litros. Afinal, tanto eu quanto o carro estávamos sedentos. Enquanto eu abastecia o tanque, João Paulo me trouxe uma garrafa de água gelada enquanto meu olho brilhava nas gotículas de cristal de formando do lado de fora do frasco.
- Eu pagaria 10 reais por esta garrafa de 500 ml!
- Então fala isso com a mulher da gasolina! Ela nos deu de graça!
Disse João Paulo devolvendo a piadinha.
Na verdade fiquei somente com 6 litros de combustível, depois de fazer algumas contas.
Tudo pronto para o retorno. Após mais meia hora de jornada inversa, vimos nossas marcações inúteis na estada até chegarmos de volta em Matias Cardoso e percebermos que tínhamos muito mais fichas que imaginávamos, pois ELE esteve sempre conosco, no banco traseiro com as mãos em nossos ombros, guiando-nos o tempo inteiro. Desceu sorrateiro do nosso carro e foi buscar um ônibus com doze lavradores!
Depois que dei as costas para o ônibus não o vi mais seguir...
E na volta, quando passei pelo mesmo lugar sem dificuldades, ELE havia me ensinado o caminho!

Saldo do dia:
1 pneu furado
1 pára choque solto
Todas as roupas sujas
Mais uma prova de fé!
Amém!

Músicas do dia:
If I could fly - Joe Satriani
Te agradeço - Cleber Lucas
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