terça-feira, 3 de março de 2009

O PIANO DA CASA ROSADA


Os dias estão passando rapidamente, ao mesmo tempo em que eu mergulho numa inevitável melancolia! Enquanto o verão se esguia sem as rotineiras águas de março penso que elas foram todas derramadas em janeiro. Pó isso, voltemos a minha melancolia típica dos artistas e poetas. Mas mesmo não sendo nem um, nem outro, mesmo assim tomo liberdade para tal sentimento, expressando-me em textos nada interessantes. Contudo, foi num dia pouco interessante que algo mágico aconteceu!

Num fim de tarde quase insuportavelmente quente, como os desse início de março, fui acompanhar Milena em sua rotineira visita ao dentista. Enquanto caminhávamos tagarelando bobagens ininterruptamente, passando pelas ruas insossas, alcançamos o cruzamento da Av. Contagem.
Milena sugeriu que fizéssemos um caminho diferente aquele dia. Não hesitei! Mudamos nosso trajeto e fomos observando as novidades pitorescas de uma rua também sem graça com suas casas sem vida.
Vida! Definição relativa a qual viemos descobrir o verdadeiro significado logo no quarteirão seguinte ao percebermos um som agradável de piano que se apresentava mais forte a cada passo que prosseguíamos.
Logo à frente, um som emanava de uma casa rosada, da qual paramos na frente. Ficamos olhando o portão fechado, hipnotizados pela cifras que saltavam janela a fora e nos seguravam ali abobalhados com tanta beleza nunca antes apreciada por nossos ouvidos. O piano soltava as notas tão ritmadas, a ponto de fazer o calor se aliviar e nada mais existir além da canção.
Parados ali na calçada apreciávamos com atenção sem notar que alguém viria à porta. Um senhor de cabelos brancos nos atendeu com um ar desconfiado e perguntou o que queríamos. Na verdade, nem eu sabia o que queríamos, pois não notara que havia tocado a campanhinha por descuido ao escorar-me no muro. Com um sorriso meio sem graça Milena respondeu:
- Eh! Naaada! Só estávamos passando e ouvimos a linda música. Resolvemos parar um pouco para ouvir. É CD?
O velho curioso e agora surpreso respondeu:
- Não! É a minha esposa! Já que vocês gostaram, quero convidá-los a entrar e presenciar o talento da minha querida companheira!
Milena conteve-se no início. Eu também não me prontifiquei, mas o senhor nos convidou novamente, então, resolvemos entrar. Subimos uma rampa em espiral que dava acesso à entrada de uma grande sala a qual estava preenchida por um aroma de canela.
O velho nos indicou um confortável sofá e nos ofereceu um pedaço de bolo de milho acompanhado por uma xícara de chá de canela!
-Mas antes quero apresentar-lhes minha querida esposa!
-Querida! Temos visitas! Aqui estão dois jovens apreciadores da sua música. Estavam no portão com cara de bobos. Eu os convidei para entrar.
Uma senhora sorridente, de cabelos grisalhos amarrados em um coque, a pele clara e bochechas rosadas, veio da cozinha. Recebeu-nos com um sorriso acalentador de boas vindas e pediu que a empregada nos servisse o lanche.
O piano de cauda, cor de marfim reinava solenemente numa ante-sala enfeitada por quadros antigos e um vitral que tomava conta de toda parede lateral, porém escondido por uma grande cortina bege de cetim. Ao seu lado direito, duas cadeiras confortáveis acompanhada pelo sofá que nos abrigava. Sobre ele um grande lustre garantia a luminosidade necessária. Em seu dorso, um também sorridente felino parecia suplicar a velha senhora sempre por mais uma canção.
E assim ela o fez! Depois de uma canção vinha outra mais bela.
Enquanto saboreávamos o lanche, as canções enchiam a sala e nossos corações, chamava o vento para dançar com as cortinas e comemorar a noite que se aproximava. Percebemos também que o horário do dentista havia vencido. Despedimo-nos apressados e desnorteados, agradecemos a recepção e voltamos em silêncio para casa. Antes de sairmos o senhor retirou da parede duas pequenas penas amarelas de canário e entregou uma para cada um de nós
Milena sorria de canto de boca, eu descia a rua em silêncio! E nós, mesmo sem saber sequer os nomes das canções descobrimos que isso era o que menos importava perante tanta magia.
Não comentamos nada por muito tempo. Passamos outras inúmeras vezes em frente a casa, mas nunca mais ouvimos o piano, nem tivemos coragem ou vontade de tocar a campanhinha novamente.
Talvez por vergonha, talvez para guardarmos para sempre aquele momento mágico.
Até pensamos em deixar um cartão na caixa de correios, mas o máximo que sempre fazemos até hoje é somente sorrir quando passamos em frente à casa rosada. A pena que ganhei de presente ainda está em minha parede. Sempre que o vento vem dançar com ela eu me lembro da beleza daquela tarde especial.
Não ousem perguntar-me se isto realmente aconteceu!
Apenas acredite e perceba que os momentos mágicos sempre acontecem em nossas vidas.
Basta olhar com atenção!

Nenhum comentário:

Postar um comentário