Distante da terra querida, o sotaque ainda pesado e inconfundível para qualquer outro da mesma origem, relembro os bons tempos de uma geração que presenciou marcantes mudanças culturais, sociais e políticas em Rubim.
Sou do tempo em que se jogava “queimada” na rua de calçamento e fazia corridas de bicicletas na rua São Geraldo. Estudei no Cardeal Leme e no Walmir Almeida Costa e como bom aluno, tinha que saber escrever aqueles “zero ponto cinto, ponto alguma coisa, ponto B”. Não sei bem para que serviam, mas, tinha que saber escrever! Não fiz a “admissão ao ginásio”, porém escutei muitos relatos e me angustiava com as narrações. De decorar a tabuada eu não escapei!
Alguns outros detalhes se perderam com o tempo, no entanto, os mais marcantes são agora nostálgicos, engraçados ou dramáticos.
Tenho a honra de ter conhecido um dos maiores mitos de Rubim: “Manezim PX”. Figura imortalizada por todos e que não apaga o brilho dos não menos ilustres “Zé Pipa”, “Domício”, “Lua Cheia”, “Néu Pezão”, “Dedé Doido”, e a imortal “Nenzinha”. Novas figuras surgiram, mas têm ainda um longo caminho de alcoolismo, insanidade, exclusão social e sofrimento a ser percorrido até tornarem-se celebridades como estas.
Presenciei grandes festas no Tênis e no Péra (Domingo Alegre) e tenho vagas lembranças dos famosos gritos de carnavais promovidos por Seu Raildo. Cresci dentro do lendário Jeep (“Nós é Doido”) de Mindão e tive o privilégio de dirigí-lo. Passei por Vaquejadas e Argolinhas na “Praia do Anjo”, fui aos circos e touradas onde vi a mulher serrada viva, a bailarina que subia numa escada com um copo d’água na testa, a anã que cantava e jogava uma fita em busca de alguns trocados (como se o valor cobrado na entrada não fosse suficiente!), o leão que matava a vaca, o boi que quebrou a cerca da arena e tantos outros espetáculos. Dentre eles, os shows de Helena Santos, Saulo Laranjeira, Rubinho do Vale e Gretchen também foram muito marcantes!
Acordei de madrugada algumas vezes para ir pra roça, outras para ver o cometa. Outras ainda para esperar o caminhão pipa. Há algum tempo a madrugada foi marcada por uma forte chuva que causou inundação, feriu a serra, feriu nosso orgulho e aflorou nossa solidariedade. Rubim perdeu o nome de “União”, mas jamais perderá sua essência.
Meus medos inocentes, hoje transformados ou substituídos pelo medo da violência, medo do desemprego, medo da doença. Queria eu ter medo novamente da mula sem cabeça, do lobisomem, do “bicho da fortaleza”, do homem do tamanho de um poste, da combi de vidro escuro que roubava meninos (e eles já tinham o tal de “insulfilme” naquela época!). Medo de “Loicinha” fugir da cadeia, de Alicinha “bebedeira de sangue” me “sangrar”. Medo de morar no “rabo da gata” e de beber água do “Medéia”. O único medo de antes e de agora é do mundo acabar!
Nossas saudades são expostas quando os colegas se reúnem. Relembramos os desfiles de 7 de setembro, o picolé de Dielson e seus famosos sabores de côco e groselha, que, vez ou outra, vinham com gostinho de álcool devido a algum equívoco na fabricação. Produto substituído e o eterno sabor garantido!
Mesmo sem ter conhecido nenhum deles, tinha saudade do mirante, tinha dó de “Bugue Ugue”, da velhinha e o gatinho levados pela enchente antiga. Tinha muita vontade de entrar na “Caverna” e no “Pinta 7”. Ironia do destino ou não, ambos tornaram-se academias. Quando entrei a emoção foi a mesma!
Outro fato interessante é observar as posições de se acompanhar o “Boi de Janeiro”. Quando somos criança, vamos à frente do boi, correndo dele, com medo da “Lobinha de Ouro”, da “Maria Manteiga” e dos outros. Na adolescência usamos o boi como desculpas para os primeiros romances, mas mesmo assim vamos atrás. Quando adultos vamos somente à esquina e ensaiamos alguns acenos. E quando idosos, colocamos uma cadeira na porta da rua e com o mesmo sorriso esperamos o boi passar. E pra falar a verdade, eu morria de vontade der ver a briga entro o boi “dos Coquis” e o boi de “Maria Pé Roxo”!
Tudo isso não morre em nossos corações. Somente fica guardado a espera de uma fisgada. E quando reúnem-se mais de um, explode como vulcão adormecido. São emoções, saudades, raízes, culturas, tudo “imbolado”! Poder ter vivido juntos a tristeza de ver na televisão da praça, Zico perdendo o pênalti na copa. A angustia de ver nas ruas de calçamento as mulheres em penitência carregando pedras sob o sol carrasco. Ter vivido também a alegria de ver a água chegando, de cantar na praça durante o X Festivale e ainda não trocar Rubim por Paris, Nova York, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro ou qualquer outro lugar. Saímos do pé da serra, subimos a ladeira da “Cova do Correio” e procuramos abrigo aos pés de uma outra serra: a do Curral. Fomos bem acolhidos e nos sentimos em casa, talvez pela ligação dos nomes de ambas as montanhas. Mas, o privilégio de ver a Serra da Cangalha parir a lua como se fosse a primeira vez, é só nosso!
Ser rubinense é ser “tupetudo”, persistente, é ser artista, é ser feliz!
Não sei de você, mas EU SOU DO RUBIM!
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